Léo:
Comecei a praticar com 11 anos
de idade, estudava no colégio Champagnat de Porto Alegre e uma das modalidades da
educação física era a patinação. Na verdade nós começamos a patinar para criar
um grupo de Hockey, que esse era o objetivo que o professor de religião na
época, Alexandre Durante, solicitou que se formasse um grupo de Hockey na
escola, e eu entrei com esse objetivo. Só que o grupo foi se desfazendo e até o
final do ano tinha apenas 5 patinadores e então não dava para ter um time
cheio, apesar de ser 5 atletas no time,
só tinha 3 meninos. A ideia era que primeiro os atletas aprendessem a patinar
artisticamente que , segundo o professor Alexandre, quem soubesse patinar
artisticamente, seria um bom jogador de Hockey. Como esse grupo não se formou e
eu gostei, continuei mesmo sendo patinação artística. Isso foi em 1979, eu tinha
entre 11 e 12 anos e já no mesmo ano eu fiz competições e já comecei a participar
de espetáculos também e vi que seria um bom esporte para mim.
Angela:
Tinha alguém da tua família que praticava essa modalidade esportiva?
Léo: Não, meu pai era jogador de basquete, dois
irmãos jogavam futebol e algumas irmãs que jogavam vôlei e uma fazia atletismo.
Angela:
Então na verdade toda tua família sempre se dedicou a prática esportiva, isso
também pode ter te influenciado a seguir uma modalidade. Aqui podemos dizer Léo que houve a influência
tanto da genética quanto do ambiente, que diz respeito às tuas relações, onde
toda tua família estava envolvida com o esporte.
Léo: É talvez pelo lado paterno sim, a mãe não
gostava de esportes. Meu pai, inclusive chegou a fazer parte da seleção gaúcha,
que na época quem disputava o campeonato
gaúcho era a seleção do exercito, e como meu pai era do exercito, participava
de campeonatos estaduais, então já existia essa coisa da competição. A primeira
modalidade que comecei na escola foi o basquete, seis meses depois fiz o vôlei
e no outro ano entrei na patinação e acabei ficando porque foi a que mais
gostei.
Angela:
O que tu achas que a patinação trouxe para tua vida, o que mudou a partir daí?
Léo: Olha, a patinação abriu várias oportunidades
em minha vida. Como vim de uma família pobre e as pessoas que praticavam
esporte no clube onde eu estava, tinham uma condição financeira melhor, isso
acabou proporcionando conhecer outro mundo que para mim não existia. Então conhecimentos,
viagens, festas, outros lugares, passeios e como me destaquei no esporte,
comecei a viajar e competir em outros lugares, inclusive conheço vários países
do mundo através da patinação.
Angela:
Léo fale um pouco sobre esses títulos que tu ganhaste com a patinação artística?
Léo: Eu ganhei vários títulos estaduais, nacionais
eu ganhei 2 títulos em dupla na categoria Junior e o individual eu sempre
estava entre os 5 do país, e em 1989 eu fiquei em segundo lugar e daí eu não
quis mais competir e durante os próximos 4 anos trabalhei como comissário de
bordo da Varig, Porém não me afastei do
esporte, como tinha passes livres na empresa, eu dava aula pelo Brasil a fora e
treinava também para demonstrar. Em 1994 eu decidi voltar após 5 anos sem
competição e fui campeão brasileiro. Daí determinei que bastava, eu tinha alcançado pra mim, o meu
objetivo. Pela minha idade, 27 anos, e pelas condições físicas e técnicas, o
próprio corpo começa com algumas limitações, então eu determinei que como
atleta este era o ponto máximo para mim. Para mim foi uma conquista pessoal,
não se tratava de ganhar apenas na pista, queria provar para mim, como pessoa
que podia conquistar esse nível de competição.
Angela;
Atingindo esse nível você conclui “agora chega.”
Léo: Naquele momento em que vi o troféu de
primeiro lugar, determinei a maneira de dar treinos para meus atletas, pois já era treinador desde
1985. No início eu era bastante rígido, os atletas sofreram nas minhas mãos,
mas também conquistaram vários títulos, foram campeões Brasileiros, Sul-
Americanos, com grande destaque à nível mundial.
Angela:
Podemos dizer que no papel de treinador, você trouxe para os treinos tua
experiência como atleta, o que certamente é um diferencial?
Léo: Sem dúvida, até hoje meus treinos são
baseados em experiências que eu tive como atleta, eu sempre comento com os
atletas como eu reagia, como era e inclusive nas competições.
Angela:
Léo, sabemos que nem todo atleta torna-se um técnico bem sucedido. Você obteve
sucesso tanto como atleta e está tendo como técnico. O que você considera
crucial para ter êxito como treinador?
Léo: Como treinador eu penso que é semelhante às
exigências de um atleta, disciplina, força de vontade e um ideal, tem que ter um ideal.
A diferença é que o atleta ele vai em busca da
medalha de ouro, a maioria quer isso. Não que o treinador não queira, só que o treinador tem vários atletas.
Às vezes eu tenho na mesma categoria 7 atletas competindo entre elas, então eu
sei que na melhor das hipóteses uma vai estar em 7ª lugar. Então eu como
treinador tenho como objetivo fazer com que cada um deles busque o seu melhor,
independente do resultado.
Angela:
E daí conseguir a lidar com as perdas.
Léo: Mas isso é o esporte para mim. Porque o que
vejo no esporte , dando o exemplo da patinação, cair
e levantar, errar e acertar e o perder e ganhar faz parte não só da patinação
ou do esporte em si, mas faz parte da vida, por exemplo, um familiar que tu perde, um vestibular
que não passa, um casamento que não dá certo, ser demitido de uma empresa,
então estas “derrotas”, servem para crescimento pessoal, sendo que o esporte já é um estágio para essa vida de adulto que a
maioria não está preparado.
Então hoje eu me sinto muito orgulhoso de ex atletas que aceitavam meu
ensinamento e que entendiam minha mensagem e hoje são profissionais extremamente bem sucedidos, com família,
casados, com filhos, em que eu penso que o esporte fez muito bem para eles.
Claro que tem também a questão familiar que eu considero principal, mas muitos
tiraram do esporte isso.
Angela:
Sabe Léo na minha experiência com o esporte enquanto você fala passa um filme
na minha cabeça, porque eu vejo no esporte uma via poderosa de transformação dessa
nossa juventude e penso que todos os jovens deveriam ter essa passagem pelo
esporte, pois é um lugar onde se aprende
e se prepara para a vida.
Léo: Tem pais que querem que os filhos ganhem
sempre, se for necessário passar por cima de qualquer coisa para que o filho
tire o primeiro lugar, ele vai passar, mas eu não concordo com isso, não aceito
e provavelmente eu vou perder esse atleta se os pais tem esse pensamento,
porque acabam não ficando.
Angela:
Sabemos que essa criança que tem essa superproteção vai sofrer muito à medida
que vai se tornando um adulto, porque a vida não é só de vitórias.
Léo: Sempre digo isso para meus atletas,
principalmente os que estão acostumados a ganhar sempre, que um dia podem
perder e precisam estar preparados para isso. Muitos eu percebi que já
trabalham isso, outros pensam que isso nunca vai acontecer. Talvez possa não
acontecer a derrota na pista, mas um dia vai acontecer na vida e daí acho que
vai ser sofrido pois estará despreparado. Pois eu sempre lutei para que os
atletas entendessem o objetivo do esporte, dessa disciplina, dessa conquista,
dessa superação e daí quando chega em um momento crucial da vida que deveria
estar bem preparado, ele não sabe se
portar.
Angela:
– Qual o momento mais marcante em sua trajetória
como atleta?
Léo: Como atleta sinceramente não foi o primeiro
lugar. Meu pensamento foi: -“Meu Deus que vergonha
de eu ter sofrido para chegar até aqui para conquistar um título que eu achava
que era a principal coisa que um atleta tinha que ter. E hoje que estou aqui no
primeiro lugar do pódio me pergunto: -É isso aqui?...isso aqui não muda nada na
minha vida”. Então a partir
desse momento minha vida mudou totalmente no meu objetivo como treinador, foi
crucial para mim, foi um divisor de águas.
Angela:
Casualmente ontem, juntamente com teus atletas, assistimos a um filme:”O Poder
além da Vida”, que está baseado em fatos reais da vida de um ginasta de
argolas, onde o mestre ensina para seu discípulo que o importante é a jornada e
não o destino, ou o resultado. Então como no teu caso, focaste tanto a medalha
que perdeu o foco no presente, no teu percurso, deixando de vivê-lo quem sabe
de forma mais plena. Então quando conseguiste a medalha tão sonhada você viu
que era insignificante em relação a todo o resto que foi tua vida, teu percurso
para chegar até lá.
Léo: E onde está essa medalha hoje? Está guardada
em uma caixa dentro do depósito da patinação. Não que não tenha valor, bem pelo
contrário. Mas como não sou apegado as coisas materiais, pois utilizo muito o
desapego no meu dia-a-dia, inclusive a chamada de meu celular tem uma mensagem
que fala sobre o desapego: “Pratique o desapego e
seja feliz.” Porque quero
sempre lembrar disso. O que eu quero colocar com isso? Que
além das questões materiais, que as pessoas vem para tua vida, passam por um
tempo, se foi bom ou ruim, algo se aprende, se for ruim, de não fazer igual ou
simplesmente ter lembranças positivas, boas, agradáveis, se for para irem
embora que se possa deixar ir para ser feliz.
Angela:
Qual foi sua maior dificuldade no
esporte?
Léo: No
esporte, até hoje é a parte financeira.
Quando comecei não tinha condição financeira, pois só tinha dinheiro para duas
passagens por dia, então tinha que me virar com caronas para ir à escola e no
treino. Hoje não se trata de uma
dificuldade financeira, mas eu não posso fazer mais pela minha escola, porque
justo a parte financeira é limitada, então não posso ter um ginásio melhor, um
espaço físico maior, ter condições de patrocinar o atleta que está representando
a escola, pagar as inscrições, pagar a viagem, isso seria ideal. Não dá para ficar rico com a patinação, se pratica pelo prazer. A busca
é mais pessoal. Não quero
desmerecer nenhum esporte, mas eu acho que a patinação artística, já o próprio
nome diz ela é um pouco diferenciada. Ela exige do
atleta, além da condição física, que ele exponha seu sentimento ao vivenciar as
coreografias, sendo que em cada uma dessas coreografias um personagem diferente é
vivenciado, semelhante à ginástica artística. Mas com o diferencial de ser
sobre rodas, que é extremamente difícil.
Angela:
Quais as características que vc considera essenciais para ser um campeão nesta
modalidade esportiva, além do que já se falou?
Léo: Além da disciplina e força de vontade, o atleta precisa ter muita paciência
e persistência. Se for muito impaciente, dificilmente
ficará neste esporte, ou terão muita dificuldade de aprendizagem, porque
tem que repetir o mesmo movimento umas 20, 30 vezes no mesmo dia. Tem atletas, como no meu caso,
alguns elementos levei mais de 1 ano ou mais para aprender e eu não desisti.
Angela:
Se formos analisar outros esportes, como futebol, vôlei e basquete, sempre tem
uma situação de jogo diferente, o inesperado que sai de uma rotina, digamos, de
repetição de um mesmo movimento, mas na patinação eu percebo que a persistência
e a paciência é mais que uma necessidade, visto a repetição dos movimentos.
Léo: Sim, porque não existe um salto novo, na
ginástica tu pode até fazer um salto novo, mas na patinação não, sendo que não
está no critérios de valores que o juiz tem que analisar, então tu não vai ser
pontuado pela parte de dificuldade, talvez somente pela parte de criatividade.
Porém a criatividade em uma nota de patinação sempre será relativa à nota de
dificuldade, sempre será proporcional.
Angela:
O que você pensa que dá sentido ao ato de viver?
Léo: Eu penso Angela, que engloba tudo que eu
falei até agora. São os objetivos de vida, onde se quer chegar, porém com
jornadas diferentes, cada um, por exemplo, com a sua religião, mas eu acredito
que vão chegar em um mesmo lugar,
somente com formas diferentes de acreditar no que faz bem ou não.
Angela:
Poderíamos pensar que o que dá sentido é de que forma tu leva tua vida, a
ênfase que a pessoa dá para sua jornada.
Léo: Penso que o que mudou minha vida de uns anos
para cá foi quando eu comecei a deixar de me preocupar com o que os outros
faziam e tentar fazer igual, porque isso deu certo para ele. Eu sou outra
pessoa, outra essência, outra vibração, assim nem todas as pessoas obtém o
mesmo sucesso fazendo a mesma coisa. Exatamente é o que eu posso fazer em minha
casa para construir um lar agradável, o que posso fazer em meu clube para que
meus atletas tenham êxito e as pessoas se sintam bem e assim por diante, em
qualquer coisa que eu faça. O meu objetivo é sempre esse, de crescimento e
ajudar quem está sob minha responsabilidade, querendo ou não, eu como
presidente de um clube e técnico de vários atletas, eles acabam se espelhando e
querendo ouvir algo de ti. Não só os
atletas, mas também os pais, buscam aquela palavra de conforto em função da
minha experiência como atleta e treinador.
Angela:
Léo, você se considera uma pessoa feliz?
Léo: Com certeza.
Angela:
E o que é para você felicidade?
Léo: Felicidade é exatamente isso de que
falávamos, é eu ter essas pessoas ao meu redor que me escutam, que eu sei que
aprendem comigo. Não é simplesmente ter um bom carro, que eu gosto, a
felicidade não está nessas coisas, para mim está na forma como eu encaro os
problemas. Teve um período de minha vida que não era feliz, hoje depois que
aprendi a administrar os problemas, chego em casa tranquilo todos os dias.
Angela:
Qual seu maior sonho?
Léo: Sonho material gostaria de ter minha sede, o
meu ginásio para poder fazer os horários que eu quisesse, sem dividir com
outros esportes. Mas, mais que um sonho, acredito ser uma missão, quero
trabalhar mais meu lado espiritual para poder fazer esse tipo de trabalho,
desenvolver mais e mais a espiritualidade, mas não só para mim, quero ajudar os
outros, acho que vou terminar meus dias dessa forma.
Angela:
Ser um transformador...
Léo: Trouxeste a palavra certa, acho que sou um cara transformador, tento passar meus conhecimentos sem impor é claro,
mas procuro passar meus conhecimentos para que a pessoa possa tirar uma frase
que altere e melhore sua vida, assim eu
já me sinto realizado.
Angela:
Muito obrigada pela entrevista Léo e pelas sábias colocações.
Léo: Espero que através desta entrevista, algumas
pessoas possam transferir para sua vida alguma palavra ou frase, ou minha
vivencia e analisar, porque às vezes acabamos sofrendo por tão pouco, porque
alguma coisa deu errado, e tem tanta coisa para se recuperar nessa vida.
Obrigada Léo por compartilhar conosco sua experiência como pessoa e como atleta.
Um abraço e até mais!